Sobre os ombros de gigantes
Conceitos de produção versus aplicações na produção O exemplo da Hitachi Tool Engineering
©Eliyahu M. Goldratt*, 2008
Introdução
É fácil relacionar a popularidade do Lean Manufacturing com o sucesso da Toyota. O sucesso da Toyota é inegável. A Toyota produz tantos carros quanto o líder tradicional – GM – e faz gerando lucros. Nos últimos 5 anos, a média do lucro líquido sobre as vendas foi 70% maior que a média da indústria, enquanto a GM continua perdendo dinheiro1. O sucesso da Toyota é totalmente atribuído ao Sistema de Produção Toyota (SPT). Pelo menos esta é a convicção da diretoria da Toyota – o principal desafio da Toyota é transferir para a próxima geração o SPT como o DNA da empresa.
Dado que a Toyota é a porta-‐bandeira da indústria japonesa, era de se esperar que o Lean fosse amplamente implementado no Japão. É de conhecimento geral que no Japão menos de 20% das indústrias implementaram Lean. Por que?
Não é porque eles não tentaram implementá-‐lo. Muitas empresas no Japão fizeram enormes esforços tentando implementar Lean mas falharam. Uma delas é a Hitachi Tool Engineering. O fracasso em implementar Lean não pode ser explicado por falta de esforços. Esta empresa tentou repetidamente implementar Lean mas a deterioração do desempenho da produção os forçou a retornar aos modos mais tradicionais de gerenciamento a produção.
Da mesma forma, o fato da maioria das indústrias japonesas não terem implementado Lean não pode ser atribuído à falta de conhecimento suficiente. A Toyota foi mais que generosa em compartilhar o seu conhecimento. Ela colocou todo o conhecimento do SPT no domínio público e chegou ao ponto de convidar os seus concorrentes diretos para visitar as suas fábricas. A Hitachi, como muitas outras empresas, estava usando o conhecimento disponível e não hesitou em buscar a ajuda dos melhores especialistas disponíveis.
Existe uma explicação evidente para o fracasso destas empresas em implementar o Lean; uma explicação evidente para qualquer observador objetivo de uma empresa como a Hitachi Tool Engineering. O insucesso é devido à uma diferença fundamental nos ambientes de produção. Quando Taichi Ohno desenvolveu o SPT, ele não o fez como algo abstrato; ele o desenvolveu para a sua empresa. Era de se esperar que a poderosa aplicação que Ohno havia desenvolvido não funcionaria em ambientes de produção fundamentalmente diferentes.
Mas isso não quer dizer que o trabalho de Ohno não possa ser extremamente valioso em outros ambientes. A genialidade de Ohno é totalmente revelada quando percebemos que ele enfrentou exatamente a mesma situação. Naquela época, o sistema de produção que havia revolucionado a produção era o método da linha de produção que Henry Ford desenvolveu. O método de Ford era usado não somente em quase todas as montagens de automóveis, mas também em várias indústrias diferentes como bebidas e munições. Também naquela época já era aceito que as linhas de produção poderiam e deveriam ser implementadas apenas em ambientes aonde as quantidades requeridas justificassem a dedicação de equipamento a apenas um produto. Quando as quantidades não eram suficientemente grandes, ninguém contemplava a possibilidade de usar linhas. Ninguém exceto Ohno.
Ohno percebeu que os conceitos em que se baseava o sistema de Ford são genéricos – que a aplicação dele é restrita a alguns tipos de ambiente, mas os conceitos são universais. Ohno teve a visão de começar pelos conceitos, a genialidade de projetar uma aplicação que é adequada ao ambiente da Toyota, onde não é factível dedicar equipamento à produção de um componente e a tenacidade de superar os imensos obstáculos no caminho para implementar uma solução deste tipo. O resultado é o SPT.
Ao invés de evitar usar os conceitos corretos ou, pior ainda, tentar forçar a aplicação em ambientes que são evidentemente muito diferentes, deveríamos seguir os passos de Ohno.
Neste artigo iremos apresentar:
- Os conceitos fundamentais das cadeias de suprimentos – nos quais o Lean é baseado,
- Uma aplicação genérica destes conceitos que pode ser usada em um espectro de ambientes muito mais amplo e
- Os resultados impressionantes obtidos pela Hitachi Tool Engineering com esta aplicação mais abrangente.
Perspectiva histórica
A indústria de manufatura foi moldada por dois grandes pensadores. Henry Ford e Taichi Ohno. Ford revolucionou a produção em massa introduzindo as linhas de produção. Ohno levou as idéias de Ford ao próximo nível com o seu SPT, um sistema que forçou toda a indústria a mudar sua forma de enxergar o estoque de um ativo para um passivo.
O ponto de partida de Ford foi que a chave para se obter uma produção efetiva é concentrar em melhorar o fluxo geral dos produtos através das operações. Seus esforços para melhorar o fluxo foram tão bem sucedidos que, em 1926, o lead time da extração do minério de ferro das minas até o carro, composto de mais de 5.000 peças, embarcado no trem e pronto para ser entregue, era de 81 horas. Oitenta anos depois, nenhuma montadora de veículos no mundo atingiu ou mesmo chegou perto de um lead time tão curto. Fluxo significa que os estoques na operação estão movendo. Quando os estoques não estão movendo, os estoques acumulam. Acúmulos de estoque ocupam espaço. Assim, uma forma intuitiva de melhorar o fluxo é limitar o espaço permitido para acúmulo de estoque. Para melhorar o fluxo Ford limitou o espaço reservado para material em processo entre dois centros de trabalho. Esta é a essência das linhas de produção como pode ser verificado pelo fato que as primeiras linhas não possuíam nenhum meio mecânico, como esteiras, para mover o estoque de um centro de trabalho ao outro.
A natureza ousada do método de Ford é revelada quando se percebe que a conseqüência direta da limitação de espaço é que quando o espaço alocado está cheio, os operários que o alimentam têm que parar de produzir. Assim, afim de obter fluxo, Ford teve que abolir eficiências locais. Em outras palavras, as linhas de produção vão diretamente contra a sabedoria convencional; a convenção de que, para ser efetivo, cada operário em cada um dos centros de trabalho deve estar ocupado 100% do tempo.
Pode-‐se pensar que impedir que os recursos trabalhem continuamente irá diminuir a quantidade produzida (saída) da operação. Este efeito indesejável poderia ter sido o resultado se Ford ficasse satisfeito em apenas limitar o espaço. Mas existe um outro efeito que provem de restringir o acúmulo de estoque. Fica muito mais visível localizar os reais problemas que prejudicam o fluxo – se um centro de trabalho de uma linha pára de produzir por mais de um breve espaço de tempo, logo a linha inteira pára. Ford aproveitou esta excelente visibilidade resultante para melhorar o balanceamento do fluxo tratando e eliminando as paradas que ocorriam. O resultado final de eliminar as eficiências locais e balancear o fluxo foi um aumento substancial da produção. Henry Ford obteve uma produção por operário maior de qualquer outra montadora de carros da época.
Resumindo, as linhas de produção de Ford são baseadas nos quatro seguintes conceitos:
- Melhorar o fluxo (ou equivalentemente o lead time) é o principal objetivo de operações
- Este principal objetivo deve ser transformado em um mecanismo prático que oriente a operação quando não produzir (evitar produzir em excesso).
- Eficiências locais devem ser eliminadas.
- Deve existir um processo de focalização para balancear o fluxo.
Como Ford, o principal objetivo de Ohno foi melhorar o fluxo – reduzir o lead time – como mencionado em sua resposta para a questão sobre o que a Toyota está fazendo:
Tudo o que estamos fazendo é olhar o tempo desde momento que o cliente nos faz um pedido até o ponto em que recebemos o dinheiro. E estamos reduzindo este tempo…
Ohno enfrentou um obstáculo quase insuperável quando ele aplicou o segundo conceito. Quando a demanda para um único produto é alta, dedicar uma linha para produzir cada componente, como fez Ford, é justificável. Porém, naquela época no Japão, a demanda de mercado era de pequenas quantidades de uma variedade de carros. Desta forma, Ohno não poderia ter linhas dedicadas na Toyota. Como já dissemos, todas as outras indústrias que enfrentaram esta situação simplesmente não contemplaram usar linhas. Ohno, porém, insistia na idéia de usar linhas com equipamento não dedicado, quando cada centro de trabalho está produzindo uma variedade de componentes. O problema era que, neste caso, usar o mecanismo de limitar o espaço levaria à impasses – nem todos os componentes estão disponíveis para montagem (montagem não pode trabalhar) e o espaço reservado está totalmente ocupado (as linhas que alimentam a montagem estão impedidas de trabalhar).
Ohno escreve que percebeu a solução quando ele ouviu sobre supermercados (muito antes dele ter estado pessoalmente em um supermercado durante sua visita aos EUA em 1956). Ele percebeu que ambos, o supermercado e as linhas de produção na Toyota, precisavam gerenciar uma grande variedade de produtos. Nos supermercados, os produtos não amontoavam nos corredores, ao invés disso a maioria das mercadorias era mantida no depósito da loja. Para cada produto era reservado um espaço limitado nas prateleiras. Apenas quando o produto era retirado pelo cliente, o ressuprimento a partir do depósito era disparado para preencher o espaço na prateleira dedicado para aquele produto. O que Ohno vislumbrou é o mecanismo que permitiria orientar a operação da Toyota quando não produzir. Ao invés de usar um único espaço, limitado entre os centros de trabalho para restringir a produção de material em processo, ele teve que limitar a quantidade acumulada permitida para cada componente específico. Baseado nisso Ohno projetou o sistema Kanban.
O sistema Kanban foi descrito em inúmeros artigos e livros. Neste artigo iremos descrever somente a essência para mostrar o quão fiel Ohno foi em relação aos conceitos fundamentais. Entre cada um dos centros de trabalho, e para cada componente separadamente, o acúmulo de estoque é limitado estabelecendo um certo número de recipientes e o número de unidades por recipiente. Estas embalagens, como qualquer recipiente em qualquer indústria, contém também a documentação relevante. Mas, uma parte desta documentação – normalmente um cartão (Kanban em japonês) – que especifica apenas o código do componente e o número de unidades por recipiente, é tratada de um modo não convencional. Quando o centro de trabalho retira um recipiente para continuar a produção, este cartão não segue com o recipiente, ao invés disso é enviado ao centro de trabalho anterior. Este é o aviso para este centro de trabalho que um recipiente foi retirado, que o estoque reservado não está cheio. Apenas neste caso o centro de trabalho anterior é autorizado a produzir (um recipiente de peças especificado no cartão). Em essência, o sistema Kanban indica quando não produzir. Sem cartão – sem produção. O sistema Kanban é o mecanismo prático que orienta a operação quando não produzir (evita produzir em excesso). Ohno conseguiu expandir os conceitos de Ford mudando a base do mecanismo de espaço para estoque.
Aderir ao conceito de fluxo exige a eliminação das eficiências locais. Ohno abordou constantemente este assunto em seus livros, salientando que não faz sentido encorajar as pessoas a produzirem se os produtos não são necessários no curtíssimo prazo. Esta ênfase é provavelmente a razão que, fora da Toyota, o SPT ficou conhecido como produção Just-‐in-‐time.
Quando o sistema Kanban – o sistema que orienta a operação quando não produzir – foi implementado no chão de fábrica, a redução imediata da quantidade produzida exigiu um enorme esforço enorme para balancear o fluxo. O desafio que Ohno enfrentou era ordens de magnitude maior que o enfrentado por Ford. Para se ter uma idéia de quão grande era o desafio, basta mencionar apenas um de muitos aspectos. Diferentemente dos ambientes de linhas dedicadas, o sistema de Ohno forçava um centro de trabalho a mudar a produção de um componente para outro freqüentemente. Para a maioria dos centros de trabalho, esta mudança requer gastar um tempo para o set-‐up [preparação] requerido. Uma vez que os recipientes, por definição, eram para uma quantidade relativamente pequena de peças, os lotes de produção que elas impunham eram, muitas vezes, ridiculamente pequenos em relação ao tempo requerido para o set-‐up. Inicialmente, para muitos centros de trabalho, o tempo requerido para os set-‐ups era maior que o tempo para produzir, resultando em uma queda significativa da produção. Não é a toa que Ohno enfrentou uma resistência enorme – tanta que Ohno escreveu que o seu sistema era chamado de “Abominável sistema Ohno” do fim dos anos 40 ao começo dos anos 60. Ohno (e seus superiores) tiveram certamente uma determinação extraordinária e a visão para continuar a insistir na implementação de um sistema que para qualquer pessoa que olhasse para ele de uma perspectiva local, como a maioria do pessoal da fábrica têm, simplesmente não fazia sentido.
Ohno teve que preparar o caminho para superar o obstáculo do set-‐up. Naquela época, e até que o SPT ficasse mundialmente famoso, a forma tradicional de lidar com os set-‐ups era de aumentar o tamanho do lote – “lote econômico” era o nome popular sobre o qual milhares de artigos foram escritos. Ohno ignorou todo este corpo de conhecimento uma vez que, se continuasse a usar quantidades “econômicas”, isso teria destruído sua busca pela redução do lead time. Ao invés disso, ele insistiu que os set-‐ups requeridos não eram imutáveis, que processos podem ser modificados de forma a reduzir drasticamente o tempo de set-‐up requerido. Ele liderou os esforços para desenvolver e implementar técnicas de redução do set-‐up que, no final, reduziram todos os tempos de set-‐up na Toyota de forma a ser, no máximo, de apenas alguns minutos10. Não é a toa que agora o Lean é fortemente associado com pequenos lotes e técnicas de redução de set-‐up.
Mas a necessidade de balancear o fluxo necessita de muito mais que somente tratar do obstáculo do set-‐up. O fato de que maioria dos centros de trabalho não era dedicada a um único componente fez com que fosse quase impossível identificar através da observação direta os reais problemas que prejudicam o fluxo. Ohno estava plenamente ciente de que existiam muitas coisas que poderiam ser melhoradas, que sem um modo de focar os esforços do processo de melhoria levaria tempo demais para balancear o fluxo.
O sistema Kanban forneceu a ele este modo. A analogia da água e das pedras do Lean é útil para entender como isto é feito. Os níveis da água correspondem ao nível de estoque, enquanto as pedras correspondem aos problemas que prejudicam o fluxo. Existem muitas pedras no fundo do rio e leva tempo e esforço para removê-‐las. A questão é quais pedras é importante remover. A resposta é dada através da redução do nível da água. Aquelas pedras que emergem acima da água são as que deveriam ser removidas. No início do sistema Kanban, para conseguir uma quantidade produzida razoável, Ohno teve que começar com muitos recipientes, cada um carregando uma quantidade não desprezível de uma peça específica. Gradualmente, Ohno reduziu o número de recipientes e depois a quantidade em cada um. Se o fluxo não era interrompido de forma perceptível, então a redução do número de recipientes e quantidades por recipiente continuava. Quando o fluxo era interrompido, o método dos 5 porquês era utilizado para identificar a causa raiz. Esta deveria ser tratada antes de prosseguir com a redução das quantidades. Levou tempo mas o resultado final foi um notável aumento na produtividade.
Devemos mencionar que, apesar de nos últimos vinte anos todos os outros fabricantes de veículos implementaram uma versão ou outra do sistema da Toyota e obtiveram grandes benefícios, a produtividade da Toyota nunca foi alcançada por nenhum deles. Este fato sinaliza a importância de escolher corretamente o processo que foca os esforços de melhoria local. Infelizmente, os esforços de melhoria das outras empresas são mal orientados uma vez que buscam a redução de custos ao invés de serem totalmente focados na melhoria do fluxo.
Ohno não investiu tanto esforço em reduzir os tempos de set-‐up para obter uma redução de custos. Se reduzir os custos fosse o seu objetivo ele não teria “desperdiçado” o tempo ganho reduzindo ainda mais os lotes e assim gerando muito mais set-‐ups. Ohno não tentou reduzir o número de peças defeituosas para economizar custos (triviais); ele o fez para eliminar a grande interrupção no fluxo que resulta de uma peça defeituosa. Ohno nem tentou espremer os fornecedores da Toyota para obter preços mais baixos tampouco cortar a folha de pagamento da Toyota (os dois principais elementos do custo); ao invés disso, colocou todas as suas energias para melhorar o fluxo.
O que está por trás é que o resultado final de focar no fluxo e ignorar considerações locais de custo é um custo muito mais baixo. Assim como o resultado final de eliminar as eficiências locais é uma eficiência muito maior da força de trabalho. Se isso parece estranho é porque os gestores ainda não internalizaram a diferença conceitual entre orientar as operações para se concentrar em melhorar o ganho ao invés de reduzir os custos. Uma das conseqüências de se concentrar em reduzir os custos é que quase todas as iniciativas para promover um processo de melhoria contínua atinge rapidamente o ponto de rendimentos decrescentes e como resultado disso muitas ficam só da boca pra fora. Mas esse assunto é muito amplo e muito importante para ser resumido neste artigo.
Em resumo, ambos Ford e Ohno seguiram os quatro conceitos (de agora em diante iremos nos referir a eles como os conceitos da cadeia de suprimentos):
- Melhorar o fluxo (ou equivalentemente o lead time) é o principal objetivo das operações.
- Este objetivo principal deve ser transformado em um mecanismo prático que oriente a operação quando não produzir (evitar produção em excesso). Ford usou espaço, Ohno usou estoque.
- As eficiências locais devem ser eliminadas.
- Deve existir um processo de focalização para balancear o fluxo. Ford usou a observação direta. Ohno usou a redução gradual do número de recipientes e depois a redução gradual das peças por recipiente.
Os limites do SPT
A abordagem de Ohno no desenvolvimento do Lean demonstra uma idéia importante; existe uma diferença entre uma aplicação e os conceitos fundamentais sobre a qual a aplicação é baseada. Os conceitos fundamentais são genéricos. A aplicação é a tradução dos conceitos fundamentais para um ambiente específico. Como já vimos, a tradução não é trivial e a solução necessita de um certo número de elementos. O que temos que ter em mente é que a aplicação considera premissas (algumas vezes premissas não verbalizadas) sobre o ambiente. Não devemos esperar que uma aplicação funcione em ambientes em que suas premissas não são válidas. Podemos poupar muito esforço e frustração se nos preocuparmos em verbalizar explicitamente estas premissas.
A premissa mais importante que o SPT considera sobre o ambiente de produção é que ele é um ambiente estável. E isso implica em estabilidade em 3 aspectos diferentes.
O primeiro aspecto é revelado quando nos atentamos para o fato que, mesmo quando um ambiente adequado é escolhido e os melhores especialistas supervisionam a implementação, leva um tempo considerável para implementar Lean. Liker menciona em O modelo Toyota que as implementações Lean lideradas pelo TSSC (Toyota Supplier Support Center, a organização que a Toyota criou para ensinar empresas americanas o SPT) levaram, no mínimo, de 6 a 8 meses por linha de produção11. Isso não é surpresa para ninguém que conhece o número de interrupções no fluxo que existe em quase todos os ambientes de produção e a sensibilidade do sistema Kanban quando se aproxima do seu alvo de baixo estoque. Uma vez que leva tempo para implementar o sistema Kanban, sua premissa é que o ambiente é relativamente estável – que os processos e produtos não mudam significativamente por um período de tempo considerável.
A Toyota se beneficia de um ambiente relativamente estável. A indústria automobilística permite mudanças apenas uma vez por ano (mudança de modelo anual) e normalmente de um ano para outro a grande maioria dos componentes são os mesmos. Este não é o caso em muitas outras indústrias. Por exemplo, em grande parte de indústria eletrônica, o tempo de vida da maioria dos produtos é menor que 6 meses. De certa forma, a instabilidade de produtos e processos existe na maioria das outras indústrias. A Hitachi Tool Engineering, por exemplo, produz ferramentas de corte – um tipo de produto relativamente estável – porém a competição acirrada força a empresa a lançar novas ferramentas de corte, que necessitam de nova tecnologia, a cada 6 meses. É uma tarefa ingrata implementar Lean neste tipo de ambiente.
Um segundo aspecto da estabilidade requerida pelo SPT é a estabilidade na demanda por produto ao longo do tempo. Suponha que o lead time para produzir um certo produto seja 2 semanas, mas a demanda para este produto seja esporádica. Na média existe apenas um pedido por trimestre para este produto. Atualmente este produto contribui para o trabalho em processo apenas durante 2 semanas em um trimestre; o resto do tempo ele não está presente no chão de fábrica. Mas este não vai ser o caso com o Lean, que impõe manter recipientes permanentemente de cada produto entre cada 2 centros de trabalho.
Hitachi Tool Engineering produz mais de 20.000 SKUs diferentes. Para a maioria dos SKUs a demanda é esporádica. A necessidade de manter permanentemente, para cada SKU, estoque entre cada centro de trabalho levaria, no caso da Hitachi, a manter muito mais estoque em processo do que eles possuem hoje. Este ambiente aparentemente não é adequado para a aplicação de Ohno.
Mas o aspecto mais importante da estabilidade requerido pelo STP é a estabilidade da carga total colocada pelos pedidos nos vários tipos de recursos. Suponha que, como na maioria das empresas, os pedidos não sejam totalmente uniformes. É muito provável que a carga colocada esta semana em um centro de trabalho particular seja consideravelmente menor que a sua capacidade enquanto que na próxima semana a carga é ligeiramente superior que a sua capacidade. Neste caso muito comum, o sistema Kanban, que impede de produzir antecipadamente – impede produzir antes do tempo – ocasionará atrasos da entrega na segunda semana. Os pedidos na Toyota são relativamente estáveis e mesmo assim, a Toyota teve que estabelecer um modo de receber pedidos (e entregas prometidas) que limita a mudança de mix de um mês para outro. A maioria das empresas não é capaz de impor a seus clientes condições tão favoráveis.
É importante notar que a melhoria da estabilidade requerida está fora do poder de atuação da produção. Todos os 3 aspectos da estabilidade tem a ver com a forma como a empresa projeta e vende seus produtos e não com o modo como ela os produz. Infelizmente a maioria das empresas sofre com ao menos um aspecto de instabilidade senão todos os três.
O que foi mencionado acima não quer dizer que para ambientes em que as premissas do Lean não são válidas, fragmentos do Lean não possam ser usados (e.g. células em U podem ser úteis em muitos ambientes e as técnicas de redução de set-‐up podem ser usadas em quase todos os ambientes). Mas isso significa que nestes ambientes não se deve esperar a mesma magnitude de resultados que a Toyota obteve – resultados que elevaram esta empresa ao patamar atual em que se encontra. Usar algumas técnicas específicas do Lean, ficar satisfeito com alguns programas de redução de custos, não deveria ser considerado como implementar Lean.
A importância do fluxo em ambiente relativamente instáveis
Ford e Ohno abriram os nossos olhos para o fato que um fluxo melhor – reduzir o lead time – leva a operações a serem muito mais efetivas. Eles demonstraram isso em ambientes estáveis, mas qual é o impacto de um fluxo otimizado em ambientes relativamente instáveis?
O primeiro aspecto da instabilidade é a instabilidade devida a vida curta dos produtos. Quando a vida do produto é curta, a produção em excesso pode se tornar obsolescência. Alem disso, uma vez que a vida é curta, os lead times longos levam a perda da demanda de mercado. Por exemplo, suponha que a vida de um produto é de aproximadamente 6 meses e a lead time de produção deste produto é de 2 meses. O longo lead time causa a perda de vendas não porque não existe demanda mas porque durante um período significativo de tempo a produção não pode satisfazer a demanda.
O segundo aspecto da instabilidade é a instabilidade da demanda por produto ao longo do tempo. A prática comum em ambientes que possuem um grande número de SKUs que estão sujeitos a demanda esporádica é atenuar o problema tentando satisfazer a demanda a partir do estoque. A desvantagem desta prática é um alto estoque de produtos acabados que gira muito pouco combinado com altos níveis de faltas. Um sistema de produção que seja capaz de organizar o chão de fábrica a ponto de melhorar muito o fluxo tem um impacto enorme nestes ambientes.
Ambientes que sofrem do terceiro aspecto da instabilidade – instabilidade na carga global – são aqueles que mais ganham com o fluxo aperfeiçoado. As sobrecargas temporárias nos vários recursos resultam normalmente em desempenho de entrega relativamente ruins (<90%) destas empresas e que em função disso ficam tentadas a adicionar mais capacidade. A experiência mostra que quando estas empresas conseguem melhorar significativamente o fluxo, não somente o desempenho de entrega atinge números próximos a 100% como também excesso de capacidade, de até 50%, é revelado12.
Ohno demonstrou que os conceitos que Ford introduziu não são restritos à produção em massa de um único tipo de produto. Ainda que os obstáculos para aplicar estes conceitos em um ambiente mais restritivo parecessem insuperáveis, a genialidade e a tenacidade de Ohno nos provou que não apenas pode ser feito mas como fazê-‐lo.
Concluímos então que:
- O SPT é restrito a ambientes relativamente estáveis
- A maioria dos ambientes sofre de instabilidade e
- Ambientes relativamente instáveis tem muito mais a ganhar com o fluxo otimizado que os ambientes estáveis
Agora que nos demos conta do mencionado acima, não deveríamos seguir os passos de Taichi Ohno? Não deveríamos voltar para os conceitos da cadeia de suprimentos e desenvolver uma aplicação efetiva que seja adequada para ambientes relativamente instáveis?
Uma aplicação baseada no tempo dos conceitos da cadeia de suprimentos
A base mais intuitiva para o mecanismo para restringir a produção em excesso não é o espaço tampouco o estoque mas o tempo. Se alguém quiser evitar produzir antes do tempo ele não deveria liberar material antes do tempo. Usar o tempo como base não é somente mais intuitivo e mais fácil de ser aceito pelo chão de fábrica; ele tem uma vantagem que o faz mais adequado aos ambientes instáveis – é muito menos sensível às interrupções no fluxo.
A robustez de um mecanismo baseado no tempo provêm do fato que ele restringe diretamente a quantidade global de trabalho no sistema ao invés de fazer isso através da restrição de trabalho entre cada centro de trabalho. Nas linhas de produção ou sistemas baseados no Kanban, o estoque reservado é o mínimo possível (normalmente corresponde a muito menos que uma hora de trabalho). Assim, quando um centro de trabalho pára por mais de um breve espaço de tempo, o centro de trabalho posterior pára quase que imediatamente por falta de material e o centro de trabalho anterior é bloqueado. Quando, para qualquer um dos centros de trabalho, o acúmulo de todos os tempos consumidos por falta e bloqueio exceder o excesso de capacidade deste centro de trabalho a quantidade produzida da empresa será reduzida. A sensibilidade das linhas de produção e sistemas baseados no Kanban provêm do fato que uma interrupção que ocorre em um centro de trabalho consome também a capacidade dos centros de trabalhos anteriores e posteriores – um fenômeno que (quase) não existe em sistemas baseados no tempo uma vez que o trabalho, uma vez liberado para o chão de fábrica, não é artificialmente restringido.
A dificuldade em usar um sistema baseado no tempo é que, para cada pedido, deveríamos restringir a liberação do material correspondente para ser um tempo apropriado antes da data de entrega do pedido. Mas como calcular o tempo apropriado?
Quando os computadores apareceram no cenário industrial (no começo dos anos 60) pareceu que, finalmente, nós teríamos uma ferramenta apropriada para lidar com a imensa quantidade de detalhes e cálculos necessários para calcular os tempos apropriados para cada material e pedido. Em um arco de 10 anos muitos programas de computador foram desenvolvidos por inúmeras empresas no mundo para fazer somente isso. Infelizmente os resultados esperados de um melhor fluxo e redução do estoque em processo não se materializaram.
O problema é que o tempo que o material leva para ser convertido em um produto acabado, pronto para ser entregue ao cliente, depende muito mais do tempo que ele tem que esperar nas filas (esperando um recurso ocupado processando outro pedido ou esperando por outra peça na frente da montagem) e nem tanto do tempo de toque para processar o pedido. É de conhecimento geral que, em quase todas as operações industriais (exceto em linhas contínuas e empresas que usam sistema Kanban), o tempo que um lote de peças leva para ser processado corresponde apenas a aproximadamente 10% do lead time. Como resultado, a decisão de quando liberar o material determina aonde e quão grande serão as filas, o que por sua vez determina quando tempo demora para completar o pedido, o que determina quando liberar o material. Enfrentamos o problema do ovo e da galinha. Nos anos 70 foi sugerido lidar com o problema usando o procedimento de iteração (MRP loop fechado) – rodar o sistema para checar as sobrecargas planejadas resultantes nos vários recursos (tamanho das filas), ajustar as datas de entrega para eliminar as sobrecargas e repetir este processo até que todas as sobrecargas relevantes fossem eliminadas. Esta sugestão não durou muito tempo uma vez que a experiência mostrou que o processo não converge; que não importa quantas iterações são feitas, as sobrecargas apenas movem de um tipo de recurso ao outro.
Em função disso, ainda nos anos 70, o uso destes sistemas não era usado para definir as datas precisas de liberação do material para o chão de fábrica mas ao invés disso era confinado ao fornecimento de melhor informação das quantidades (e tempos) para os pedidos dos materiais aos fornecedores. O nome oficial destes sistemas foi cunhado para refletir o ser uso principal – Material Requirement Planning (MRP) 13.
O fato de que este enorme esforço não produziu um mecanismo prático, baseado no tempo, para orientar as operações quando não produzir não deveria ser considerado uma prova que este mecanismo não pode ser desenvolvido em ambientes menos estáveis – ambientes que devem atender as datas de entregas de um fluxo irregular de pedidos dos clientes. Não deveria também nos desencorajar a tentar usar o tempo como base para o mecanismo prático. Mas deveria ser um alerta contra uma abordagem que tente desenvolver este mecanismo baseado no manuseio da imensa quantidade de detalhes e cálculos. O necessário é uma abordagem de visão mais geral.
Voltando ao básico, seguindo os conceitos da cadeia de suprimentos, o objetivo é melhorar o fluxo – reduzir o lead time. Usar o tempo (ao invés de espaço ou estoque) como base para o mecanismo que orienta a produção quando não produzir requer que nos esforcemos para liberar o material correspondente um breve espaço de tempo apropriado, just in time, antes da data de entrega do pedido. Mas o que queremos dizer com “just in time”? Ainda que o Just in Time seja um conceito chave do Lean o seu uso é figurativo e não quantitativo. No Lean, com produzir Just in Time não queremos dizer que a peça que acabamos de processar agora tem que estar na doca de carregamento para expedição no segundo seguinte….ou minuto. ou hora. Na verdade é bem provável que, mesmo com os melhores sistemas Kanban, esta peça não será processada logo em seguida pelo centro de trabalho posterior (como pode ser deduzido pelo fato que recipientes cheios estão rotineiramente esperando entre os centros de trabalho). Então, qual tempo iremos considerar para ser “Just in Time”? Mais explicitamente: se queremos evitar produzir em excesso restringindo a liberação de material, quanto tempo antes da data de entrega de um pedido deveríamos liberar o material para este pedido?
Uma forma de obter uma resposta razoável é examinando o impacto que escolha do intervalo de tempo tem na intensidade da atenção gerencial necessária para atender todas as datas de entrega. Suponha que a liberação do material seja feita antes da data de entrega somente antes do tempo que realmente leva para processar o pedido. Esta escolha irá demandar muita atenção gerencial para monitorar de perto as operações uma vez que qualquer atraso em qualquer uma das operações ou até um atraso na movimentação das peças entre as operações irá resultar em não atendimento da data de entrega. Além disso, será necessária uma programação precisa para assegurar que não ocorreram filas, já que estas causam atrasos nas peças que estão esperando para serem processadas. Certamente esta escolha não é prática, mesmo atenção gerencial infinita não será suficiente para cumprir todas as datas de entrega. Devemos escolher um intervalo de tempo maior; um intervalo que contenha segurança para compensar os atrasos. A necessidade de incluir segurança é a razão para chamarmos o intervalo de tempo da liberação de material antes da data de entrega de “pulmão”.
Escolher pulmões maiores torna o lead time mais longo e aumenta o estoque em processo, mas uma vez que pulmões maiores significam mais tempo de segurança, a expectativa é que, com muito menos tempo gerencial uma porcentagem muito maior dos pedidos será finalizada no ou antes das respectivas datas de entrega. Isto é correto para pulmões relativamente pequenos, mas quando os pulmões são consideráveis, um outro fenômeno começa a mostrar o seu lado ruim. O que temos que ter em mente é que quanto maior for o pulmão escolhido, mais cedo o material será liberado o que significa que mais pedidos estarão presentes na chão de fábrica. Quando existem pedidos demais na fábrica, começam a ocorrer os engarrafamentos. Quanto mais engarrafamentos, mais atenção gerencial é necessária para definir as prioridades. A intensidade da atenção gerencial requerida em função do tamanho do pulmão de tempo escolhido é mostrado esquematicamente na figura 1.
Figura 1
Operações que implementam o sistema de Ford ou Ohno possuem um lead time que é apenas um pouco maior que o tempo real de toque e os gestores não têm que investir quase nenhuma atenção para orientar o pessoal do chão de fábrica no que eles devem trabalhar no momento. Certamente eles estão no lado esquerdo deste gráfico. Mas aonde se encontra a grande maioria das operações, operações que adotam as práticas mais convencionais?
Como dissemos, nas fábricas convencionais os lotes de peças levam aproximadamente apenas 10% do tempo sendo processadas. Nos outros 90% os lotes estão esperando na fila por um recurso ou esperando outro tipo de peça para que sejam montadas. O que aprendemos com Ford e ainda mais com Ohno é que não deveríamos aceitar o tamanho dos lotes como uma certeza; que os lotes econômicos não tem nada de econômico e que, ao contrário, devemos e podemos buscar obter um fluxo unitário de peças. Armados com esta convicção é fácil perceber que, quando um lote de peças é processado (exceto em processos como mistura ou cura), apenas um item é processado por vez enquanto que os outros itens do lote estão esperando. Isso significa que em empresas convencionais que trabalham com lotes maior que 10 peças (que é o caso na maioria dos ambientes de produção), o tempo de toque por peça é, na realidade, menos de 1% do lead time. Existe um outro fenômeno que caracteriza estas empresas; qualquer que seja o sistema de prioridades, quando ele existe, o sistema real de prioridade é; “urgente”, “super urgente” e “largue tudo – faça agora”. No gráfico da atenção gerencial versus tamanho do pulmão estas empresas se situam evidentemente no lado direito, na parte alta da curva.
Estar no lado direito na parte alta da curva significa estar em uma situação perde-‐perde; os lead times são muito longos (relativo ao tempo de toque), estoques são altos e em muitos casos a empresa sofre com um desempenho de entrega ruim (<90%) mesmo com a grande atenção gerencial. Tendo em mente que se a gerência tivesse escolhido um pulmão de tempo menor (deslocando para a larga região plana do gráfico) a situação seria notavelmente melhor, por que é que a grande maioria das empresas gerenciadas da forma convencional estão nesta situação perde-‐perde?
A resposta foi dada por Ford e Ohno. Através do trabalho deles eles provaram, de forma decisiva, que ao contrário da crença popular, tentar ativar todos os recursos o tempo todo não é uma receita para ter operações efetivas. Ao contrário, o oposto é verdade; para que se tenham operações efetivas, as eficiências locais devem ser eliminadas. Mas as empresas convencionais tentam ativar plenamente
todos os recursos. Sempre que uma operação no início do processo não for um gargalo (e este é o caso na grande maioria dos ambientes) ela vai ficar sem trabalho de tempos em tempos. Para evitar isso o material é liberado; material este que é necessário para pedidos mais remotos (ou até por previsão de pedidos). A conseqüência inevitável são filas maiores. Filas maiores levam alguns pedidos a não serem atendidos a tempo o que por sua vez é interpretado como: deveríamos ter liberado material mais cedo. E isso é também interpretado como: não temos capacidade suficiente. Não é difícil vislumbrar como as forças empurram a empresa curva acima.
Um bom ponto de partida para melhorar o fluxo será definir um pulmão de tempo que seja igual a metade do lead time atual; esta escolha irá assegurar que a empresa irá se posicionar em algum ponto na parte plana do gráfico. Não faz sentido perder tempo tentando achar um ponto ótimo, os benefícios imediatos são significativos demais para serem postergados e os esforços seguintes para balancear o fluxo irão mudar a própria forma do gráfico.
Restringir a liberação de material para ser apenas o pulmão (metade do lead time atual) antes da data de entrega correspondente dos pedidos irá melhorar consideravelmente o desempenho de entrega, irá reduzir o lead time pela metade do que é hoje e assim a medida que o estoque for sendo consumido, irá reduzir o estoque em processo em mais da metade do nível atual.
Mas ninguém pode esperar que esta mudança por si só leve o desempenho de entrega à chegar próximo de 100%. Existem, simplesmente, pedidos demais no chão de fábrica, existem filas na frente dos recursos e deixar ao acaso a seqüência na qual os pedidos devem ser processados irá fazer com que muitas ordens não sejam finalizadas a tempo. Um sistema de prioridades é necessário. A necessidade de um sistema de prioridades não deveria abrir as portas para algoritmos sofisticados para determinar as prioridades. Simplesmente o número de pedidos que chegam muda constantemente, o conteúdo de trabalho difere um pedido para o outro, o tamanho das filas muda constantemente e não esqueçamos que as interrupções ainda ocorrem; resumindo, este é um ambiente com alta variabilidade. A lição que Shewhart trouxe da física para a manufatura e Deming tornou conhecida mundialmente é que tentar ser mais preciso que o ruído (no nosso caso, tentar usar algoritmos sofisticados que considerem todos os parâmetros possíveis em um ambiente de alta variabilidade) não melhora as coisas mas, ao contrário, piora – os resultados serão certamente não serão melhorias mas deterioração do desempenho de entrega.
Um sistema de prioridades direto aparece quando reconhecemos que o pulmão, sendo metade do lead time atual, é muito maior que o tempo de toque e uma vez que reduz drasticamente os engarrafamentos, sem qualquer interferência, muitos pedidos serão finalizados dentro de apenas 1/3 do pulmão enquanto que a maioria será finalizada dentro de 2/3 do pulmão. Baseado nesta percepção, as prioridades são estabelecidas pelo “gerenciamento do pulmão”. Para cada lote é rastreado o tempo que transcorrido desde a liberação. Se menos de 1/3 do pulmão passou a cor é verde, se mais de 1/3 mas menos de 2/3 a cor é amarela, se mais de 2/3 a cor é vermelha, se a data de entrega já passou a cor é preta. Os lotes pretos tem mais prioridade que os vermelhos, etc. Se dois lotes tem a mesma cor, tentar decidir qual dos dois deveria ser processado primeiro é um excelente exemplo de tentar ser mais preciso que o ruído.
Implementar um sistema destes no chão de fábrica é relativamente fácil. No primeiro passo não é necessária nenhuma mudança física, apenas restringir a liberação de material para a metade do lead time histórico antes da data de entrega correspondente e orientar o chão de fábrica para seguir o sistema de prioridade das cores. Comparado ao esforço o impacto é impressionante. Para se ter uma idéia do impacto (e da rapidez) somente do primeiro passo (restrição), a figura 2 mostra a porcentagem real de pedidos atrasados em uma fábrica com 2.000 operários que produz milhares de
utensílios de cozinha diferentes.
Figura 2
Evidentemente as eficiências locais devem ser eliminadas, caso contrário a pressão para liberar material cedo demais continuará. A experiência mostra que a velocidade com que todos no chão de fábrica percebem o impacto positivo faz com que a mudança não sofra quase nenhuma resistência.
Mas na maioria dos ambientes ainda existem pedidos que atrasam e existe ainda enorme potencial para capitalizar melhor sobre este fato. O quarto conceito deve ser traduzido para a prática – deve existir um processo de focalização para balancear o fluxo.
O primeiro passo para balancear o fluxo é relativamente fácil. Restringir a liberação expõe muita capacidade excedente que estava escondida anteriormente. Mas muito provavelmente alguns centros de trabalho tem menos capacidade em excesso que outros. Estes centros de trabalho são identificados uma vez que eles certamente terão uma fila de estoque na frente deles. O fato das eficiências locais serem eliminadas ajuda a identificar ações simples necessárias para aumentar a capacidade deles – ações como assegurar que um centro de trabalho com restrição de capacidade não fique parado durante as pausas de refeição ou mudanças de turno, transferir tarefas para centros de trabalho menos eficientes que tenham muita capacidade em excesso, etc14.
Uma vez que as ações acima acrescentam capacidade efetiva aos centros de trabalho que causam as filas, as filas se tornam menores e menos pedidos terão o status vermelho. Isso significa que o pulmão de tempo se torna desnecessariamente longo. Uma regra efetiva para ajustar o pulmão, sem tomar o risco de deteriorar o alto desempenho de entrega, é reduzir o pulmão quando o número de pedidos vermelhos for menor que 5% do número total de pedidos liberados e aumentar quando o número for maior que 10%.
A empresa que segue o descrito acima irá obter, em questão de poucos meses, um alto desempenho de entrega, lead time consideravelmente menor e ampla capacidade em excesso. É neste momento que o real desafio começa. No passado, algumas vezes (vezes demais) a reação da alta diretoria para a exposição total da capacidade em excesso era de “ajustar” a capacidade e obter reduções de custos. Este é um grave erro. O “excesso de capacidade” são os empregados. Empregados que apenas ajudaram a empresa a melhorar e como conseqüência direta foram “premiados” com a perda dos seus empregos ou os dos colegas. Em todos os casos em que esta ação foi tomada, a reação inevitável deteriorou o desempenho da fábrica para um nível inferior ao inicial. Esperamos que este comportamento da alta direção seja coisa do passado.
A forma mais sensata de lidar com a exposição da capacidade em excesso é capitalizar sobre ela; encorajar a força de vendas a tirar vantagem do melhor desempenho para obter mais vendas. O aumento das vendas pode facilmente causar a aparição de um gargalo real. Ignorar a capacidade limitada do gargalo enquanto se fornecem compromissos de datas entrega para novos pedidos irá deteriorar o desempenho de entrega e as vendas aos clientes, que ficarão desapontados, irão despencar. É fundamental reforçar a conexão entre vendas e operações – este é o real desafio. Um sistema deve ser implementado para assegurar que cada compromisso de entrega seja dado apenas de acordo com a capacidade ainda não alocada (disponível) do gargalo.
O gargalo se torna a “batida do tambor” para os pedidos, o “pulmão” transforma as datas de entrega em datas de liberação e a ação de restringir a liberação se torna a “corda” que une o pedido com a liberação de material. Esta é a razão que esta aplicação baseada no tempo da Teoria das Restrições ficou conhecida como Tambor-‐Pulmão-‐Corda ou TPC.
Atualmente existe um grande número de experiências visando polir o processo para melhorar ainda mais as operações baseado no registro e análise das causas dos pedidos no vermelho.
Exemplo Hitachi
A Hitachi Tool Engineering Ltd. é uma empresa de 24 bilhões de yen de faturamento, projeta e fabrica mais de 20.000 ferramentas de corte diferentes. A demanda para a maioria dos produtos é esporádica e os padrões da indústria os obriga a lançar novas famílias de ferramentas a cada 6 meses. Quando uma nova família de produto é lançada, a família antiga se torna obsoleta. Não é a toa que os esforços para implementar o Lean não tiveram sucesso15.
A Hitachi iniciou em 2000 a implementação do TPC em uma das suas quatro fábricas no Japão. O salto no desempenho de entrega (de 40% para 85%) associado com a corte do estoque em processo e dos lead times pela metade e a capacidade de entregar 20% mais produtos com a mesma força de trabalho os encorajou a expandir a implementação. Em 2003 eles implementaram o TPC nas quatro plantas16.
A redução drástica do lead time e o tempo de resposta muito mais curta permitiu uma redução do estoque na cadeia de suprimentos – os distribuidores – de 8 para 2,4 meses. A redução do estoque melhorou significativamente o retorno sobre investimento dos distribuidores, liberou caixa e reforçou a relação entre a Hitachi e os distribuidores. Não é toa que os distribuidores expandiram a linha de ferramentas da Hitachi que eles estavam oferecendo, levando à um aumento de 20% das vendas (em um mercado estável).
O impacto real é revelado quando avaliamos o desempenho do lucro da empresa considerando o fato que, durante o período de 2002 à 2007, o preço da matéria prima (metais) aumentou muito mais que o aumento dos preços de venda das ferramentas de corte. Nestas condições os lucros da empresa deveriam ter desaparecido. Ao invés disso, o lucro líquido anual antes dos impostos da Hitachi Tool Engineering Ltd. aumentou de 1,1 bilhão de yen no ano fiscal que terminou em março de 2002 para 5,3 bilhões no ano que terminou em março de 2007 – um aumento de 5 vezes no lucro líquido em 5 anos. O lucro percentual sobre as vendas da Hitachi Tool Engineering Ltd. aumentou de 7,2% em 2002 para 21,9% em 2007, o maior já registrado neste tipo de indústria17.
Os limites do TPC
Como salientado anteriormente, uma aplicação assume premissas (algumas vezes não verbalizadas) sobre o ambiente e não devemos esperar que a aplicação funcione em ambientes aonde estas premissas não são válidas. A premissa que o TPC assume é evidente, ele assume que o tempo de toque é muito pequeno (<10%) comparado ao lead time atual. Esta premissa é válida para muitos, senão a maioria, dos ambientes típicos de produção. Mas definitivamente não é válida para uma grande variedade de ambientes que são tradicionalmente chamados de ambientes de projeto.
Nos ambientes de projeto o tempo de toque é relativamente longo e o ânsia dos clientes para ter o projeto finalizado obriga as operações a prometer lead times que são apenas o dobro (ou raramente o triplo) do tempo de toque. Não é a toa que em projetos o desempenho de entrega é ruim a ponto de ninguém esperar que o projeto acabe no prazo, no orçamento e com o conteúdo completo; alguma destas tem que ceder. Mas este fato não deveria nos distrair da conclusão que uma vez que a premissa do TPC não é valida, o TPC é inadequado para os ambientes de projeto. Uma aplicação diferente, uma aplicação que lide diretamente com o tempo de toque relativamente longo é necessária18.
Dr. Eliyahu Goldratt
Líder internacionalmente reconhecido no desenvolvimento de novas filosofias e sistemas de gerenciamento, o trabalho do Dr. Goldratt é implementado por consultores e educadores ao redor do mundo e usado por muitas das grandes corporações mundiais, incluindo IBM, Procter & Gamble, AT&T, NV Philips, ABB e Boeing. Não convencional, estimulante e “matador de vacas sagradas” o Dr. Goldratt impele sua audiência a examinar e reavaliar suas práticas de negócios com uma nova e fresca visão.
A META, seu livro de negócios é um Best-‐seller escrito sob forma de romance, ilustra a Teoria das Restrições (TOC) do Dr. Goldratt – uma metodologia genérica para ajudar negócios a determinar: o que mudar – nem tudo está quebrado; para o que mudar – quais são as soluções simples e práticas ; e como causar a mudança – como vencer a resistência a mudanças. O Dr. Goldratt escreveu numerosos livros em tópicos relacionados, incluindo NÃO É SORTE e CORRENTE CRITICA. Seu último livro – THE CHOICE – rapidamente se tornou o Best-‐seller número 1 no Japão. O Dr. Goldratt é um contribuinte freqüente de revistas científicas, revistas e publicações de negócios.
Dr. Goldratt é o fundador e presidente do conselho do Grupo Goldratt (formado pela Goldratt Schools, Goldratt Marketing e a Goldratt Consulting), o qual têm levado as práticas a Teoria das Restrições a novas alturas com a VISÃO VIÁVEL, uma plataforma para melhorar a produtividade e lucratividade de empresas. Melhorando a qualidade da tomada de decisões e melhorando a comunicação e sincronização através da organização a Visão Viável é a estratégia e respectivas táticas que geram desempenho sem precedentes e aumento de lucros em todos aspectos da operação de uma empresa.
Goldratt Consulting
A Goldratt Consulting ajuda empresas a acelerarem imediatamente o fluxo de caixa e aumentarem os lucros e com as mesmas ações começarem a preparar a companhia para um crescimento exponencial. Nossos clientes desfrutam de liquidez substancialmente melhorada em semanas e crescimento contínuo em lucratividade.
Nossa metodologia é baseada na Teoria das restrições (TOC) as soluções de bom senso testadas ao longo do tempo criadas pelo Dr. Eli Goldratt 25 anos atrás em seu livro, A Meta, o qual ainda é um best-‐seller hoje.
A TOC já foi implementada em praticamente todas as funções, de empresas familiares de 25 milhões em vendas até as no topo da Fortune 500, em fabricantes de produtos e projetos e empresas com redes de distribuição simples ou complexas. A TOC é ensinada em centenas de faculdades e universidades e muito já foi publicado neste tema
O Dr. Eli Goldratt fundou a Goldratt Consulting como parte do Grupo Goldratt em 2003. A companhia tem sede em Israel e está presente em todos continentes. Nosso quadro contém os especialistas em TOC mais reconhecidos no mundo.
A Goldratt Consulting não é uma consultoria típica:
- Somente trabalhamos com empresas que se comprometem a atingir um nível de desempenho que era considerado previamente inatingível
- Somente implementamos soluções que trazem tal desempenho sem comprometer o longo prazo pelo curto prazo ou um grupo de stakeholder por outro (acionistas, gerência, empregados, clientes)
- Ao invés de taxas diárias ou horárias nosso honorários são baseados em um consenso do valor financeiro gerado por nossos esforços.
- A vasta maioria dos pagamento são atrelados ao atingimento de marcos financeiros específicos, os quais começam quando o desempenho “considerado previamente inatingível” é ultrapassado.
Se você deseja saber mais sobre como a Goldratt Consulting pode ajudar sua empresa a alcançar novos níveis de desempenho contate-‐nos para marcar uma avaliação inicial gratuita. www.goldrattconsulting.com/contact
* Tradução: Guilherme V. Almeida e Humberto R. Baptista (humberto.baptista@goldrattgroup.com)
1 http://moneycentral.msn.com/investor/invsub/results/compare.asp?Page=ProfitMargins&Symbol=TM
O Sistema de Produção Toyota ficou conhecido mundialmente primeiro com o nome Just-‐In-‐Time (JIT) e mais tarde produção Lean [ou produção enxuta]. A própria Toyota argumenta que a produção Lean não captura totalmente o espírito do seu SPT devido às distorções na comunicação e implementação.
*Ford, Henry, Today and Tomorrow, Productivity Press, 1988 (originalmente publicado em 1926)
Balancear o fluxo não é igual a balancear a capacidade – ter capacidade em cada centro de trabalho equivalente à sua carga – um erro comum feito quando se balanceiam linhas de montagem.
Ohno, Taichi, Toyota Production System, Productivity, Inc 1988 pág ix (no prefácio do editor). Vale também a pena ressaltar que neste e em seus outros livros, Ohno dá total crédito a Ford pelos conceitos fundamentais. [O Sistema Toyota de Produção, Ed. Bookman, 1997]
Para reduzir o numero de lugares em que se deve manter as embalagens, Ohno usou extensivamente células em U ao invés de usar centros de trabalho que são compostos de um único tipo de máquina.
Ainda que na literatura Lean não exista nenhuma ênfase explícita para o fato que o SPT impõe a eliminação das eficiências locais.
Ohno, Taichi e Setsuo Mito, Just in time for Today and Tomorrow, Productivity Press, 1988.
O primeiro artigo foi publicado por Ford W. Harris em Factory, The Magazine of Management, Volume 10, número 2, Fev. 1913, PP. 135-‐136,152. Desde então mais artigos sobre este assunto têm sido publicados quase todos os meses.
Por exemplo, as trocas de ferramentas na Toyota eram de 2 a 3 horas nos anos 40 , menos de 1 hora chegando a até 15 minutos nos anos 50 e 3 minutos nos anos 60 (Ohno mencionou isso em seu livro Toyota Production System [O Sistema Toyota de Produção])
Liker, Jeffrey K., The Toyota Way, McGraw-‐Hill,2004. <O modelo Toyota, Ed. Bookman, 2005>
Mabin, Victoria and Balderstone , Steven J. The World of the Theory of Constraints, CRC Press LLC, 2000. Uma revisão da literatura internacional em TOC analisou os resultados típicos atingidos: 70% de redução do lead time, 44% de melhoria do desempenho de entrega e 76% de aumento das vendas/produção/lucros.
Orlick Joseph, Material Requirement Planning, Mc Graw-‐Hill Book Company, 1975
Goldratt, Eliyahu M. e Cox, Jeff, The Goal; A Process of On Going Improvement, North River Press, 1984. [A Meta: um processo de melhoria contínua, 2a edição Ed. Nobel, 2004]
Umble, M. Umble, E. Murakami,S., “Implementing theory of constraints in a traditional Japanese manufacturing environment: the case of Hitachi Tool Engineering” International Journal of Production Research, Vol. 44, No. 10, 15, May 2006, PP. 1863-‐1880
Ibidem
A GUIDE TO MAKING EVER FLOURISHING COMPANY – PRODUCTION, DISTRIBUTION, MARKETING AND SALES, Chukey
Publishing, 2008. Satoru Murakami, Jun Takahashi, Shotarou Kobayashi p196-‐207
Goldratt, Eliyahu M., Critical Chain, North River Press, 1997. <Corrente Crítica, Ed. Nobel,2005>